quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Atração Fatal


Uma das mais interessantes inovações do século 17 foi a enunciação da lei da gravitação universal. Antes dela vigorava uma vaga idéia da influência recíproca dos planetas, em seus movimentos, prevalecendo a opinião de Descartes de que isso se daria num ambiente preenchido por éter. Quer dizer, se um corpo influía em outro corpo, de alguma forma deveriam se tocar, não haveria vazio ou vácuo. Newton, porém, enunciou a tese de que os corpos poderiam se atrair sem se tocarem. Assim, os planetas teriam suas órbitas influenciadas por uma força dada à distância, na fórmula hoje conhecida da razão de suas massas e do quadrado de suas distâncias, a gravitação universal. Sua idéia foi aceita por muitos, logo após a publicação dos Principia, não sem ser precedida por um marketing eficiente de amigos, como Halley, e do staff científico da Academia Real Britânica. Houve, é claro, resistências, inclusive de Leibniz, outro importante matemático e filósofo de seu tempo, que continuou a defender a idéia do éter cartesiano e uma certa teoria dos vórtices, mas a teoria newtoniana acabou prevalecendo. Não sou físico, por isso me atrevo a dar um palpite e a extrair de uma tese científica algumas conseqüências para a nossa vida política. Todos os corpos atraem-se segundo um determinado padrão e não há necessidade alguma, para o exercício de tal atração recíproca e universal, de que se toquem. Sim, para termos a ver com o movimento alheio não precisamos tocar o corpo de ninguém. Basta ocuparmos um lugar, estarmos aqui ou ali, e nossa influência se anuncia. Nosso movimento incomoda e acomoda o movimento de outros corpos. Não é demais lembrar de que tal idéia é contemporânea do processo que culminou com a Revolução Gloriosa inglesa. Quer dizer, física e política estabelecem, quase que ao mesmo tempo, o princípio da participação universal no processo da natureza e de decisão no espaço público. Basta lembrar de Locke, aliás um amigo e admirador de Newton, e sua proposta da fiscalização constante dos atores da política, sobretudo do Parlamento. Enfim, a sociedade é também o resultado daquilo que fazemos e dizemos, por menor que seja a nossa participação ou a consciência disso. É o que podemos chamar genuinamente de ética: ações e suas influências para gerar coesão ou dispersão na sociedade. Repelimo-nos ou atraímo-nos dependendo de nossas próprias atitudes e da interpretação que temos delas. O problema está em que não só o que fazemos ou dizemos, mas também o que deixamos de fazer é relevante. Ao não termos consciência da importância de nosso papel, acabamos por perder oportunidade de distinguir o que vemos e de nos preparar para agir em nome de nossos interesses. Também deixamos de enxergar nossos direitos, o que é mais grave. A política é levada a cabo por todos, não apenas pelos governantes e pelos políticos profissionais. Mas temos lá um certo preconceito da ação: ficamos sempre assustados diante de pessoas de atitude, de grupos de atitude. Alguém anuncia seu descontentamento, diz que vai fazer isso e aquilo, enfim agir e essa simples afirmação nos põe em polvorosa, atemorizados pelo enunciado da ação. Não, não podemos agir, temos de ser discretos. Parece que somos dotados de uma paixão da quietude, da discrição, verdadeira apatia. E a apatia não é a velha cordialidade, mas a ausência de coração, a indiferença. E, porque somos indiferentes, passamos a assistir ao espetáculo da política de modo indiferenciado. Dizemos, nada mais conservador do que um liberal no poder. É o velho e recorrente mote de nossa política, chamado à cena de quando em vez, mesmo que de modo deselegante, com a tal história das moscas, que se trocam. Se nos indagamos, cidadãos quaisquer, sobre a situação política brasileira, ouvimos algo como "tudo como dantes no castelo de Abrantes". É nossa síndrome do qualquer um. Ou seja, tanto faz, todo político é igual, toda política é equivalente. Mas, ao reiterar nosso cacoete, não estamos a referir a igualdade dos políticos, mas, verdadeiramente, a indiferença de nós mesmos. Não se trata apenas da desqualificação do discurso alheio, pela desatenção aos detalhes, mas da afirmação da ausência de qualidades em cada um de nós, porque achamos que não podemos mover, não podemos modificar. Nós próprios nos consideramos cidadãos sem qualidade. Ao indiferenciar a política, desqualificamos a nós mesmos.
Alfredo Attié Jr. é doutor em filosofia da USP e juiz de direito

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