domingo, 6 de maio de 2012

PERIGEU



 De quando em quando, se não é a literatura, a poesia, que nos oferece uma palavra para refletir, uma fonte nova de emoção e admiração, será a ciência. A ciência que está mais próxima, porque nos fascina, porque mais distante de nós. E isso será toda ciência, que fez questão de se afastar da comunidade dos humanos e se esqueceu deles. Quando retorna aos humanos, cobra por isso.

Perigeu (de perígeios,os,on 'que está em torno da terra', de peri- 'em torno de' e gê,ês 'terra'). Faz nos lembrar da Terra e do estranho estar "em torno de".   Não sabemos o que significa estar em torno de. peri.
Copernicanos ao contrário, copernicanos de ponta cabeça, achamos que tudo está em torno de nós mesmos. Vaidade, egoismo, egocentrismo. O mundo gira em torno de nos mesmos.
Quem cometeu esse equívoco, esse erro grosseiro, em primeiro lugar, foi um filósofo (escrevi sobre isso há muito tempo- na dissertação Sobre a Alteridade (1987), depois Recontrução do Direito (2003)), chamado Kant. Na Crítica da Razão Pura, ele chama a sua filosofia (pretensioso e egocêntrico) de "revolução copernicana", por unir ideal e real e fazer as categorias do sujeito desenharem as coisas, que giram em torno dele.
Ao contrário de Copérnico, que feriu o orgulho do pretensioso homem ocidental, que se formava, dizendo que seu mundo era apenas um mundo entre outros, que girava em torno de uma estrela, em torno de outro, que não si mesmo. E Copérnico era modesto, porque sua formulação (condenada pelo protestantismo, mas não pelo catolicismo) era apenas uma hipótese matemática, que so depois foi confirmada. Confirmada, em boa parte, por causa dos estudos de outro cientista, Galileu, este sim condenado pelo catolicismo.

E Perigeu diz apenas isso: algo gira em torno da Terra e maravilha os humanos, além de lhes impor a complexidade das marés. A única coisa que gira em torno dos humanos os domina: a mente, a imaginação, a poesia,e lhes determina a ciência. A tirania da Lua sobre a Terra e os Oceanos.

O contrário de Perigeu é Apogeu (apógeios,os,on, 'que é distante, afastado da Terra', de ap(ó)- e gáios ou geîos 'da terra', der. de 'terra'). Quando a Lua se afasta, alcança seu clímax.
Isto me lembra que, ao nos afastarmos de nós mesmos, alc ançamos também nosso apogeu, auge que vence egoismo, vaidade e nos faz sermos com os outros, girarmos em torno de, em vez de nos sentirmos circundados, amarrados.

O maior esportista do boxe de todos os tempos notabilizava-se exatamente por girar em torno de, e não por ficar parado no centro, sendo enredado. Saltava, permitia-se atingir pelos golpes do oponente, até cansá-lo e dar o golpe fatal, oferecendo-se aos gritos da platéia: "Ali, Ali"! "Ali bumaye"!



Compondo, de improviso, diante de estudantes que lhe pediam um poema, Ali gritou: "Me, we", o menor poema em lingua inglesa, que fala nao da dissolução de mim em nos, mas da união de todos nos, desde mim.

Ali, que fugiu de si, abandonando seu nome de batismo - na epoca assimilado 'a dominação - e assumiu um nome novo para si mesmo, tornando-se outro, perseguindo a outro, prosseguindo a fuga do mesmo.

E me flagro, uma vez mais, fugindo de mim mesmo, ao buscar tomar as rédeas de meu destino, que e' ser sempre outro, sem me fixar em nenhum ponto de parada, de paragem, de estabilidade e segurança. Buscando novas faces, novas facetas, novas esperanças.

Abandonando cada auge e antauge. Entre apogeu e perigeu. Num distanciamento cada vez maior do ponto inicial - que nao marca qualquer destino certo. Desenvolvimento, desenlace, desatinação, destinação...

Sempre em torno de, bailando peri, perigo, peregrinação. Acolhendo, dolorosamente, todos os golpes, todo sofrimento. 

Ate' o golpe final... knockout! Ali, Ali!

Um comentário:

  1. Tem música aí Attié, como em tudo que nos constitui enquanto humanos, aliás.
    Sobre tua belíssima analogia, fiquei pensando: caramba, tão difícil dançar esta dança entre apogeu e perigeu! De qualquer sorte, e não sei se por sorte ou azar, aprendidos os passos, e bailando pelos salões da vida, tão mais difícil ainda será encontrar pares para dançar esta inquietante dança. Porque este dar-se conta, desprender-se das matrizes egoísticas humanas, embora sem destino certo, é caminho (tormentoso) encontrado por poucos, e sem volta. E como não vivemos sós (na acepção mais ampla de solidão), tão mais fácil se torna a trilha quando se pode dançar ao longo do percurso com outros que 'beberam' daqueles passos. Então, que nesta busca pelo 'ser sempre outro', outros similares cruzem teu caminho, dando mais leveza e renovando as esperanças - até o golpe final!!!
    Aula e analogia: gostei tanto! rsrsrs Obrigada por dividir conosco.

    Janice.

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