sexta-feira, 18 de maio de 2012

Desrazao de Estado: memoria e desmemoria


Uma cerimonia digna e equilibrada, na instalação, afinal, da Comissão da Verdade, cujo objetivo, tão simples e imprescindível no caminho democrático de qualquer Estado (ou Pais), e' a recuperação e a reparação dos males causados por seus agentes (funcionários ou servidores públicos), no exercício de suas funções, transgredindo direitos humanos reconhecidos pela comunidade internacional, em que se deseja inserir o Brasil, bem como recuperar os atos e as razoes de todos os que violaram direitos humanos, durante o período da ditadura, pós-golpe de 1964, ate a abertura política e a anistia estabelecida mais como compromisso do que como perdão.

Desejou-se fazer dela uma cerimonia de Estado, pelo que foram convidados ex-Presidentes, da era da abertura (o ex-Presidente Sarney,  escolhido -  não pelo voto popular, mas pelo Colégio Eleitoral estabelecido ainda no regime militar -, como modo de compromisso com tal regime, Vice-Presidente - depois assumindo a Presidência, em razão do falecimento de Tancredo Neves)  e  os eleitos pelo voto popular e universal, Fernando Collor, hoje Senador por Alagoas, que sofreu impeachment, Fernando Henrique e Lula da Silva.

Se ja' era significativa a eleição de um ex-Presidente, que foi condenado, em processo de impeachment, ao Senado, mais ainda o convite para a cerimonia.

O convite e a presença consagram, paradoxalmente, o esquecimento, que caracteriza a vida politico-social brasileira, coroando a iniciativa do outro ex-Presidente  -  hoje ainda na vida publica, e em cargo longe de ser irrelevante, de Senador e Presidente do Senado -  de retirar da historia do Senado (exposta, em simbolismo deveras marcante, em um túnel) o episodio do impeachment.

Isto tudo esta' a demonstrar que o impeachment foi, de fato, um acidente (como, alias, definiu-o o proprio Senador Sarney), na historia politica brasileira. Um acidente que nao gerou mudança imediata, que nao significou, de fato, a retomada das rédeas da política pelo povo. Povo que ainda nao se constituiu plenamente, em face do longo período de opressão e desigualdade, de desprezo pela educação e pela transformação social e cultural, que e' nossa historia predominante.

Ainda permanecem os compromissos com o passado de sujeição social, um pouco disfarçados por um ou outro ato de demagogia (de adulação bifronte: um pouco 'a opinião publica mal formada brasileira, um pouco aos tradicionais donos do poder): a covardia, que se disfarça, no dia a dia, em braveza, em dedo em riste (que ameaça os mais fracos e que adverte os adversários, para que se faca um pacto de não se incomodar, em protecção reciproca - não me incomode nos temas mais sensíveis e importantes, que eu também não o incomodarei; proteja-me no que e' relevante, que eu retribuirei do mesmo modo).

Um ou outro gesto: publicidade para todos (os servidores públicos do executivo federal), menos abertura de sigilo (CPI em curso) dos poderosos, sejam governadores de um e outro lado, sejam dirigentes de empresas, sejam contratos, sejam empresas poderosas ou úteis ou aliadas (de um e outro lado).

Mas, de forma geral, muitos anúncios, no futuro do indicativo, muitas vontades, no imperativo.

A recuperação da memoria das atrocidades contra a vida e a segurança da sociedade contrasta com o perdão concedido unilateral e despoticamente. Em nome de uma conciliação, uma transação cujos termos nunca são explicitados, nunca são revelados.

A lei de acesso 'a informação surge tardiamente, após criticas severas a uma tentativa de perpetuar o sigilo e o segredo (defendidos pelos próprios ex-Presdientes citados, alem de partidos que participam da coalizão governamental), mas sem meios, sempre como promessa, o futuro do indicativo, que sempre se transforma em futuro do pretérito, em nosso Pais.

A democracia, no Brasil, ainda esta' temperada pelo despotismo.

Ate' quando? Ate' que a memoria prevaleça sobre o esquecimento. Desafio para todos.

Um comentário:

  1. Sugiro a leitura do artigo de Edson Teles, também: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5598&boletim_id=1195&componente_id=19208

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