domingo, 25 de março de 2012

Antropofagia




Antropofagia por Alfredo Attié Jr., A reconstrucao do direito: existencia.liberdade, diversidade.

Em meu livro "A Reconstrucao do Direito: existencia, liberdade, diversidade". Porto Alegre: Fabris Ed., 2003, que reproduz e atualiza minha dissertacao de mestrado: "Sobre a Alteridade: para uma critica da antropologia do direito". Sao Paulo: USP, 1989, faco uma reflexao sobre o que chamei "modo de ser selvagem" ("Ser Primitivo"), paginas 187 a 267, inclusive, como um dos "modos da alteridade".

Busquei definir a "antropofagia", como "expressao e realizacao" do "modo de ser selvagem", "modo de existencia: propriedade".

A analise que fiz da antropofagia, apos a leitura e interpretacao dos textos daqueles que a testemunharam e descreveram, bem como da critica das interpretacoes dos autores que me precederam, permane original.

Reproduzo, aqui, algumas passagens de meu texto.

"O tema que perpassa e inspira esse caminho ... e' o da ficao da antropofagia, ou, como prefiro, da heterofagia ... Interpreto a antropofagia como a forma de configuracao do ser selvagem, que e' ser outro e nao ser identico. Quero dizer que a existencia selvagem e' a existencia da alteridade e a antropofagia reflete e realiza esse atributo essencial: a alteridade do ser selvagem. O canibalismo podia se dar no proprio campo de batalha, imediatamente apos o termino da contenda. Mas o que mais interessa e' a cerimonia da antropofagia, que ora interpreto.”

”A captura do inimigo implicava na perda de bens daquele que realizava a captura, o captor, cabendo 'as mulheres realizar tal desapossamento. O captor recebia um novo nome, correspondente ao ancestral que, nele, renascia.”

“O captor dava oferendas, perdia bens, enquanto o capturado as ganhava, era presenteado. Os presentes que recebia eram os bens do ancestral do captor que ia ser vingado por meio da cerimonia da antropofagia.”

“Mostrado em sua alteridade ‘a aldeia e ‘as aldeias amigas, o inimigo maltratado, após a recepção, sera’ assimilado ao modo de ser da aldeia, em que passara’ a viver ate’ a realização da cerimônia, que sabe ser seu destino. Vivera’ ali, em quase plena liberdade, não tendo interesse na fuga, pois seus companheiros de tribo já’ não mais o reconhecem como igual, após a captura. O capturado podia ate’ mesmo casar-se na aldeia dos captores. Enfim, ele oscilava entre momentos de completa assimilação e outros em que lhe era lembrada sua existência agora efêmera.”

“O momento de sua execução poderia tardar meses ou ate’ anos. Mas a cerimonia que preparava e realizava o canibalismo constituía-se em momento fundamental na vida dos selvagens.”

“A vingança e’ o que movimenta a vida selvagem. Eles vivem para guerrear e a guerra lhes serve para aprisionar e devorar. A guerra não se faz para ocupar territórios nem para explorar, oprimir ou dominar inimigos, mas para vingar os ancestrais, que também foram aprisionados e devorados. A guerra não e’ um momento excepcional, mas e’ a razão da existência selvagem.”

“E a vingança não e’ destruição, mas manutenção do ser selvagem, que e’ ser outro, alteridade. Ao devorar o inimigo, o selvagem não o destrói, mas o assimila. Ao assimila-lo, torna-se outro, mas também recupera a igualdade, a identidade, pois e’ como se devorasse seu ancestral, devorado pelo inimigo.”

“O ritual da antropofagia e cuidado com o corpo do inimigo, que sera’ devorado por todos, demonstram a conservação do inimigo e não sua destruição.”

“Demonstram, ainda, que há’ um jogo complexo entre identidade e alteridade, em cada detalhe da cerimônia, como quando o inimigo e’ pintado como se pertencesse ‘a tribo. Ele e’chorado por sua esposa, como se fosse membro da tribo.”

“O executor do inimigo guarda luto, após sua morte, tomando, afinal, o nome da vitima.

O corpo do inimigo permanece, devorado por todos.

A memória do inimigo permanece, chorada por todos.

A alma do inimigo permanece, ao ocorrer a migração de seu nome para o executor.

A identidade selvagem somente e’ alcançada por meio do ato de devorar o outro.

A identidade selvagem ‘e um ato de apossamento do outro, o qual, por sua vez, também se apossou do mesmo, do ancestral da tribo que devora.”

“O outro e’ mantido e perpetuado no corpo do mesmo, devorado. O outro traz de volta ao mesmo o convívio ancestral.”

“A antropofagia e’ uma forma de alteração.”

“A alteridade e’ ilimitacao, repetição constante do ritual antropofágico.”



(Attié Jr., Alfredo. “A reconstrução do direito: existência, propriedade, alteridade”)

Valeria, acredito, a pena ver a totalidade da interpretação que fiz, nas paginas citadas do livro, em que dialogo com os viajantes e missionários e critico as interpretações, que considero errôneas, de outros autores.

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